A expressão carpe diem, tão difundida no decorrer dos séculos, nunca foi tão importante para a vida quanto nos dias de hoje
Aproveite os pequenos prazeres da vida!
Foto: Marcos Lima
Foto: Marcos Lima
Mas a ideia é bem mais antiga do que o roteiro do cineasta Jean-Pierre Jeunet. No século I a.C., o poeta latino clássico Quinto Horácio Flaco escreveu os célebres versos: "Melhor é aceitar! E venha o que vier! Quer Júpiter te dê ainda muitos invernos, quer seja o derradeiro este que ora desfaz nos rochedos hostis ondas do mar Tirreno, vive com sensatez destilando o teu vinho e, como a vida é breve, encurta a longa esperança. De inveja o tempo voa enquanto nós falamos: trata, pois, de colher o dia, o dia de hoje, que nunca o de amanhã merece confiança". É nesse poema que ficaria cristalizado o termo carpe diem, ou "aproveite o dia", em bom português - uma espécie de expressão-filosofia que valoriza as trivialidades fascinantes de uma vida simples.
Fruir para não fluir
Marcelo Bulhões, professor do Departamento de Ciências Humanas da Unesp, considera que o carpe diem evoca questões atemporais e universais: "É a fruição da existência humana", diz. À revelia das pressões modernas, com o isolamento de uma sociedade consumista, workaholic e ensimesmada nas metrópoles cinzas, Bulhões acredita que ainda há espaço para uma abertura às gratificações do efêmero: uma caminhada sem destino, o pastel na feira, as cores únicas do céu no pôr do sol... Para ele, tais gratificações são "puro carpe diem".
Hoje, ontem e amanhã
Entretanto, como sempre, há um outro lado da moeda. O filósofo Mário Sérgio Cortella, professor de teologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), critica o hedonismo exacerbado da sociedade contemporânea, inebriada pelo consumo e pelo culto à juventude, que pode nos levar a uma vida "leviana e descompromissada com a história". Para o filósofo, esse momento especial é um presente que nós nos damos o direito de gozar. "Felicidade é um instante de vibração vital. Não é um estado". Portanto, viver "intensamente" pode corresponder à construção desses pequenos momentos especiais, que fazem a vida valer a pena.
Em um mundo onde há restrições por todos os lados - o cotidiano maçante da jornada de trabalho, as azucrinantes pressões das contas a pagar -, por que apenas não nos permitimos mais? "Acontece que o amanhã existe, como sabe todo mundo que já acordou de ressaca", lembra o sociólogo Marcelo Coelho. Portanto, pensando no amanhã, deixamos de viver plenamente o hoje. Ou: até quando nos entregamos ao hoje, não o fazemos efetivamente, por covardia ou por simples abnegação.
Doses diárias
Discordâncias éticas e filosóficas à parte, a questão é que o carpe diem pode ser uma inspiração, um convite para as coisas que acontecem com a gente agora, se entregando ao prazer que elas proporcionam.
Para Marcelo Bulhões, conversar com um amigo, de preferência no fim da tarde, já é um motivo para sorrir, assim como perambular pelas ruas de São Paulo. Marcelo Coelho já se sente bem com a simples ideia de que, ao acordar, terá uma xícara de café e o jornal à espera. Assim, bons vivants de diversos estilos se deliciam com pequenos prazeres de toda sorte, quando os momentos absolutamente triviais se tornam especiais. A ideia de que hoje pode ser o último dia de nossas vidas tende a ser angustiante, mas também pode ser libertadora à medida que nos convida a degustar nossas pequenas doses diárias de felicidade.
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